IGNORÂNCIA SOBRE O ESPIRITISMO

 

   (…)

          É um fato comprovado que desde que a crítica se voltou contra o Espiritismo, mostrou a mais completa ignorância de seus princípios, mesmo daqueles mais elementares. Ela o provou super-abundantemente, fazendo-o dizer precisamente o contrário do que ele diz, atribuindo-lhe ideias diametralmente opostas às que ele professa. Como, para ela, o Espiritismo é considerado uma fantasia, disse consigo mesma: “Ele deve dizer e pensar tal coisa.” Numa palavra, ela o julgou pelo que imaginou pudesse ele ser, e não pelo que é realmente. Sem dúvida, lhe era muito fácil esclarecer-se; mas, para isto, era preciso ler, estudar, aprofundar uma doutrina toda filosófica, analisar o pensamento, sondar o alcance das palavras. Ora, eis aí um trabalho sério, que não é do gosto de todo o mundo, muito fatigante mesmo para alguns. A maioria dos escritores, encontrando nos escritos de alguns de seus confrades um julgamento acabado, de acordo com suas ideias cépticas, aceitaram o fundo sem maior exame, limitando-se a lhes fantasiar algumas variantes na forma. Foi assim que as mais falsas ideias se propagaram, quais ecos na imprensa, e daí a uma parte do público.

          Isto, entretanto, não poderia ter senão um tempo. A Doutrina Espírita, que nada tem de oculto, que é clara, precisa, sem alegorias nem ambiguidades, sem fórmulas abstratas, deveria acabar sendo mais bem conhecida. A própria violência com a qual era atacada devia provocar o seu exame. Foi o que aconteceu e provoca a reação que hoje se nota. Isto não quer dizer que todos os que a estudam, mesmo seriamente, devam tornar-se seus apóstolos; não, certamente. Mas é impossível que um estudo atento, feito sem ideia preconcebida, ao menos não atenue a prevenção que se tinha concebido, se não a dissipar completamente. Era evidente que a hostilidade de que era objeto o Espiritismo deveria levar a esse resultado. É por isto que jamais nos preocupamos a tal respeito.

          Porque o Espiritismo faz menos ruído neste momento, algumas pessoas imaginam que há uma estagnação em sua marcha progressiva; mas não levam elas em nenhuma conta a reviravolta que se opera na opinião pública? Será uma conquista insignificante ser visto com menos maus olhos? Desde o começo o Espiritismo congregou rodos aqueles em que essas ideias estavam, a bem dizer, em estado de intuição; teve apenas que se mostrar para ser aceito com entusiasmo. É o que explica seu rápido crescimento numérico. Hoje, que colheu o que estava maduro, age sobre a massa refratária; o trabalho é mais demorado; os meios de ação são diferentes e apropriados à natureza das dificuldades, mas, pelas flutuações da opinião, sente-se que essa massa se abala sob os golpes dos Espíritos, que a ferem incessantemente de mil maneiras. Por ser menos aparente, o progresso não é menos real; é como o de um edifício que se eleva com rapidez e que parece parar quando se trabalha no interior.

          Quanto aos espíritas, o primeiro momento foi o do entusiasmo. Mas um estado de superexcitação não pode ser permanente; ao movimento expansivo exterior, sucedeu um estado mais calmo; a fé também é viva, mas é mais fria, mais racional e, por isto mesmo, mais sólida. A efervescência deu lugar a uma satisfação íntima mais suave, cada dia mais bem apreciada, pela serenidade que proporciona a inabalável confiança no futuro.

          Hoje, pois, o Espiritismo começa a ser julgado de outro ponto de vista. Não o acham mais tão estranho e tão ridículo, porque o conhecem melhor; os espíritas já não são apontados com o dedo, como animais curiosos; se muitas pessoas ainda repelem o fato das manifestações, que podem conciliar com a ideia que fazem do mundo invisível, não mais contestam o alcance filosófico da doutrina; nova ou velha a sua moral, não deixa de ser uma doutrina moral, que não pode senão estimular ao bem os que a professam. É o que reconhece quem quer que julgue com conhecimento de causa.

 

Livro:  Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos – Ano IX, 1866

            (nº 9 - setembro de 1866)